
Mesmo sendo maioria no Brasil, pessoas negras seguem com menos oportunidades no mercado de trabalho. Segundo um estudo do IBGE de 2022, apenas 29,5% dos cargos de liderança no país são ocupados por pessoas pretas ou pardas, enquanto profissionais brancos dominam 69% desses postos.
Essa desigualdade também se reflete nos altos índices de informalidade e subocupação entre trabalhadores negros, além de uma dificuldade maior em acessar oportunidades de qualificação e estabilidade profissional.
Com base nesse cenário, este conteúdo vai mostrar como o racismo institucional se manifesta nos principais setores da sociedade e por que é tão urgente combatê-lo com políticas públicas firmes e eficazes. Continue a leitura!
O que é racismo institucional?
O racismo institucional ocorre quando organizações — públicas ou privadas — reproduzem, de forma sistemática, desigualdades raciais em suas estruturas, políticas, práticas e rotinas.
Isso significa que, mesmo sem uma intenção declarada, essas instituições operam com lógicas que discriminam pessoas negras e outros grupos raciais, dificultando seu acesso a direitos e oportunidades.
A expressão “racismo institucional” surgiu na década de 1960, com pensadores e ativistas como Stokely Carmichael e Charles Hamilton, e foi definida como “a falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas devido à sua cor, cultura ou origem étnica”.
No Brasil, essa definição ajuda a compreender como as desigualdades raciais não são apenas fruto de atitudes individuais, mas estão entranhadas na estrutura do Estado e da sociedade.
Conforme pontuado por Eunice Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, em artigo publicado no jornal da universidade, mesmo após a abolição da escravidão, não houve políticas públicas para garantir a integração da população negra à sociedade livre.
Ao contrário: promoveu-se a exclusão intencional por meio de projetos de “branqueamento” populacional, falta de acesso à terra, incentivo à imigração europeia e ausência de investimento em educação para pessoas negras.
Esse cenário histórico explica por que, hoje, apesar de constituírem a maioria da população brasileira, pessoas pretas e pardas seguem enfrentando obstáculos desproporcionais em áreas como saúde, educação, moradia, segurança e mercado de trabalho.
O racismo institucional, nesse contexto, atua como uma engrenagem que perpetua a exclusão social — naturalizando desigualdades e dificultando a responsabilização por elas.
Qual é o contexto histórico do racismo no Brasil?
Para entender o racismo institucional no Brasil, é importante voltar no tempo. Por mais de 300 anos, o país foi sustentado por um sistema escravocrata que explorou o trabalho de milhões de pessoas africanas trazidas à força para cá.
Quando a escravidão foi oficialmente abolida em 1888, a liberdade veio apenas no papel. O Estado brasileiro não criou políticas públicas para integrar essas pessoas à sociedade, garantindo direitos como acesso à terra, moradia, educação e emprego digno.
Na prática, as pessoas negras foram deixadas à própria sorte, enquanto o governo incentivava a imigração europeia, com o objetivo de “branquear” a população brasileira. Esse processo reforçou a desigualdade racial e impediu que a população negra tivesse as mesmas oportunidades de desenvolvimento que as pessoas brancas.
Além disso, criou-se no Brasil um mito de que aqui “não existe racismo”, pois seríamos uma nação miscigenada, em que todos convivem em harmonia.
Essa ideia, chamada de “democracia racial”, escondeu por décadas a existência de desigualdades profundas entre pessoas brancas e negras — tanto nas oportunidades quanto no acesso a direitos básicos.
Mesmo com tantos avanços legais, como o Estatuto da Igualdade Racial e as políticas de cotas, pessoas negras ainda enfrentam grandes obstáculos para acessar direitos básicos como saúde, educação, moradia e trabalho.
Por isso, é importante ter em mente que o racismo no Brasil não é só uma questão individual. Ele está nas estruturas da sociedade — nas políticas públicas, nas instituições, nas regras implícitas que favorecem uns e dificultam a vida de outros.
Manifestações do Racismo Institucional no Brasil
O racismo institucional se manifesta de forma sistêmica e persistente em diversos setores da sociedade brasileira.
Mesmo sem ações individuais de preconceito explícito, estruturas inteiras operam com base em lógicas discriminatórias que impactam a vida da população negra todos os dias. A seguir, confira como isso ocorre nos setores público, privado e educacional.
Setor público
No setor público, o racismo institucional aparece nas formas mais explícitas de violência e desigualdade.
A atuação seletiva do Estado, tanto na repressão quanto na prestação de serviços essenciais, reforça desigualdades históricas e compromete o pleno acesso à cidadania.
Disparidades no sistema de justiça
As disparidades no sistema de justiça são evidentes quando se observa quem são os principais alvos da violência do Estado.
Dados do Atlas da Violência mostram que, em 2019, 77% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras.
Entre jovens de 15 a 29 anos, essa taxa chega a 98,5 homicídios por 100 mil habitantes pretos ou pardos, quase três vezes mais do que entre indivíduos brancos (34,0 por 100 mil habitantes).
A população negra também representa 65% da população carcerária brasileira, segundo dados levantados pelo Departamento Penitenciário Nacional.
Acesso desigual a serviços públicos
Pessoas negras também são as mais prejudicadas quando se trata do acesso a serviços públicos básicos.
Segundo o IBGE (2022), 12,5% da população preta ou parda vive em domicílios sem coleta de lixo, enquanto, entre a população branca, esse índice é de 6%. Já no acesso à água encanada, 17,9% não têm esse serviço, comparados a 11,5% das pessoas brancas. No caso do esgotamento sanitário adequado, 42,8% da população preta ou parda vive sem acesso, em contraste com 26,5% da população branca.
Setor privado
No setor privado, o racismo institucional se revela em diferentes etapas da vida profissional: da contratação à ascensão em cargos de liderança.
Mesmo com o crescimento no número de vínculos formais, a desigualdade racial ainda marca o mundo do trabalho no Brasil.
Desigualdade no mercado de trabalho
Em 2024, a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego, registrou um crescimento na inclusão de pessoas negras no mercado formal.
O número de vínculos ativos entre pessoas pretas aumentou 18,1%, e entre pessoas pardas, 15,9%. Mesmo assim, a desigualdade persiste quando se observa os rendimentos.
Enquanto pessoas brancas tiveram uma remuneração média de R$ 4.496,15, pessoas pretas receberam R$ 3.102,27 — uma diferença de R$ 1.393,88.
Já as pessoas pardas tiveram uma média de R$ 3.070,55, também abaixo da média nacional de R$ 3.706,90.
E, como mostram os dados do Ministério do Trabalho, pessoas pretas e pardas também são maioria entre os trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão — 66% entre 2002 e 2024, e 81% só em 2023.
Representação insuficiente em cargos de liderança
Apesar de representarem 56% da população brasileira, pessoas pretas e pardas são praticamente inexistentes em cargos de liderança em companhias abertas. Segundo uma pesquisa realizada entre janeiro e maio de 2021 pela Faculdade de Direito da USP, 0% dos conselhos de administração analisados eram ocupados por pessoas pretas, e apenas 1,05% por pessoas pardas. A falta de representatividade negra em posições de poder e tomada de decisão não é coincidência, mas resultado de um histórico de exclusão.
Ela começa com o acesso precário à educação, passa pela falta de oportunidades de ascensão profissional e é agravado pela discriminação no ambiente de trabalho.
Setor educacional
O racismo institucional também aparece na educação, desde os primeiros anos de escola até o ensino superior.
Para pessoas pretas e pardas, o caminho educacional costuma ser mais difícil, com obstáculos que se acumulam ao longo do tempo e diminuem as chances de concluir os estudos e seguir na vida acadêmica.
Barreiras no acesso à educação de qualidade
Apesar dos avanços, como as cotas e o aumento das vagas no ensino superior, ainda há muita desigualdade.
Em 2022, pouco mais de 11% das pessoas pretas e 12% das pardas com 25 anos ou mais tinham ensino superior completo. Já entre a população branca, essa taxa foi de quase 26%. Ou seja, o dobro.
Esse cenário começa ainda nos primeiros anos da trajetória escolar. Enquanto muitos estudantes brancos têm acesso a escolas particulares ou públicas bem estruturadas, estudantes pretos e pardos enfrentam mais dificuldades.
A maioria depende de uma rede pública marcada por problemas como falta de infraestrutura, número insuficiente de professores e poucos materiais e recursos pedagógicos.
Tudo isso afeta diretamente o aprendizado, reduz a motivação e diminui as chances de ingresso no ensino superior.
Taxas de abandono escolar entre estudantes pretos
Outro reflexo dessas desigualdades é o abandono escolar. Dados do Censo Escolar de 2023 mostram que a evasão aumentou após a pandemia — e atinge com mais força os estudantes pretos e pardos.
Em 2023, 3,5% dos alunos pretos e pardos do Ensino Fundamental abandonaram a escola, enquanto, entre os estudantes brancos, o índice foi de 2,1%.
Esses números mostram que muitos jovens negros acabam saindo da escola antes de terminar os estudos, seja por necessidade de trabalhar, seja pela falta de apoio ou pelo próprio racismo presente no ambiente escolar.
A verdade é que o abandono escolar não acontece por acaso. É consequência de um sistema que ainda não garante as mesmas condições para todos.
Sem acesso a uma educação de qualidade e sem apoio para continuar estudando, essas desigualdades acabam se repetindo no mercado de trabalho e em outras áreas da vida.
Por isso, garantir equidade na educação é um passo essencial para combater o racismo estrutural no Brasil.
Quais são os impactos do racismo institucional?
O racismo institucional não afeta apenas a entrada ou permanência de pessoas negras em espaços sociais — ele deixa marcas profundas que se acumulam ao longo da vida. Esses impactos aparecem tanto no campo econômico quanto no emocional e psicológico.
Consequências socioeconômicas
Quando pessoas negras são sistematicamente excluídas de oportunidades — seja na escola, no trabalho ou nos serviços públicos — isso afeta diretamente sua condição de vida.
Menos acesso à educação de qualidade significa menos chances de conseguir empregos bem remunerados. A falta de representatividade em cargos de liderança também limita o crescimento profissional e o reconhecimento de talentos.
Além disso, essa exclusão contribui para a manutenção de desigualdades históricas. A população negra, que já começa em desvantagem por heranças do período escravocrata, continua enfrentando barreiras para acumular renda, conquistar estabilidade financeira e ter acesso a direitos básicos.
Efeitos psicológicos nas vítimas
O racismo institucional não é apenas uma barreira externa, ele também atinge a autoestima e a saúde mental de quem sofre.
Sentir-se constantemente desvalorizado, invisível ou questionado em espaços escolares, profissionais e sociais pode levar a sentimentos como insegurança, frustração, medo e até depressão.
Muitas vezes, pessoas negras precisam se esforçar o dobro para serem reconhecidas da mesma forma que pessoas brancas. Isso gera uma pressão constante para “provar valor” e se adaptar a ambientes que não foram pensados para acolher suas vivências.
O resultado disso é um desgaste emocional que impacta o bem-estar, a confiança e a sensação de pertencimento.
Quais estratégias podem ser empregadas para combater o Racismo Institucional?
Enfrentar o racismo institucional exige ações em várias frentes. Não basta apenas reconhecer que ele existe, é preciso agir de forma concreta e articulada para transformar as estruturas que mantêm as desigualdades.
Confira a seguir os principais veículos de transformação dessa realidade.
Políticas públicas e legislação
As leis são ferramentas fundamentais no combate à desigualdade racial. No Brasil, já existem marcos importantes, como o Estatuto da Igualdade Racial e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
Essas normas reconhecem que o racismo é um determinante social das desigualdades e propõem ações específicas para enfrentá-lo. No entanto, mais do que criar leis, é necessário garantir que elas sejam aplicadas de forma eficaz.
Isso inclui investir em políticas públicas que ampliem o acesso da população negra à educação, saúde, trabalho e moradia de qualidade, com atenção especial aos dados e à escuta ativa das comunidades envolvidas.
Iniciativas corporativas e educacionais
As empresas e instituições de ensino também têm um papel fundamental nessa mudança. No ambiente corporativo, é possível adotar políticas de inclusão racial, com foco em recrutamento, promoção e formação de lideranças negras.
Treinamentos sobre racismo estrutural, vieses inconscientes e diversidade ajudam a transformar a cultura organizacional.
Na educação, o combate ao racismo passa pela apreciação de currículos mais diversos e inclusivos, além da valorização da história e da cultura afro-brasileira.
Professores e gestores escolares precisam ser capacitados para identificar e enfrentar práticas discriminatórias dentro da sala de aula.
Papel da sociedade civil e dos movimentos sociais
Por fim, a sociedade civil e os movimentos sociais são forças essenciais para a transformação. Eles atuam pressionando por mudanças, propondo políticas, monitorando a atuação do Estado e mobilizando a população em torno da luta antirracista.
Coletivos negros, organizações não governamentais, lideranças comunitárias e ativistas desenvolvem projetos, formam redes de apoio e criam espaços de denúncia e resistência.
É esse engajamento coletivo que mantém viva a busca por uma sociedade mais justa, em que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades, independentemente da cor da pele.
Conclusão
Combater o racismo institucional é um compromisso coletivo que começa com o diálogo, passa pelo reconhecimento das desigualdades e se concretiza em ações práticas. Esse tipo de racismo não está restrito a atos isolados, mas está embutido em estruturas que afetam profundamente a vida de milhões de pessoas negras todos os dias.
Os impactos dessas desigualdades são reais e duradouros — desde o acesso limitado a oportunidades até os efeitos emocionais de viver em um ambiente que, muitas vezes, invisibiliza ou exclui. Por isso, pensar em justiça social passa, necessariamente, por reconhecer e transformar essas estruturas.
E uma das formas mais eficazes de começar essa mudança é por meio de projetos com impacto social. Eles conectam o propósito das empresas às necessidades reais da sociedade, gerando transformação de verdade.
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